Inflamatórias

Miopatias inflamatórias

As miopatias inflamatórias constituem o maior grupo de causas adquiridas e potencialmente tratáveis de fraqueza do músculo esquelético.

Agrupam-se em polimiosite (PM), dermatomiosite (DM) e miosite com corpos de inclusão (MCI).

Na  PM e DM as principais manifestações clínicas incluem fraqueza muscular progressiva e simétrica. Os músculos oculares são poupados e os músculos da faringe e flexores do pescoço estão frequentemente afectados. A fraqueza grave está quase sempre associada ao edema muscular. Sintomas sistémicos como febre, perda ponderal e fenómeno de Raynaud estão muitas vezes presentes assim como a doença esofágica, os distúrbios cardíacos (taquiarritmias, cardiomiopatia dilatada, ICC, miocardite) e a disfunção pulmonar (secundária à fraqueza primária dos músculos torácicos, doença pulmonar intersticial  ou pneumonite induzida por fármacos). Podem ainda surgir contracturas articulares (DM), calcificações subcutâneas (DM), artralgias, sinovite, artropatia deformante (DM, PM).

Na MCI a fraqueza muscular é assimétrica e de predomínio distal. Atinge sobretudo músculos extensores do pé e flexores dos dedos e antebraço. A disfagia é comum. A fraqueza muscular facial existe em 60% dos doentes. As quedas são frequentes por atingimento do músculo quadricipetes.

A DM e PM têm uma incidência de 5.5 casos por milhão, não existe preferência por raça mas é duas vezes mais prevalente no sexo feminino. Atinge todas as idades mas nas crianças tem um pico de incidência entre os 5-10 anos e nos adultos um pico aos 50 anos.

A MCI é três vezes mais frequente nos homens, atinge sobretudo a raça caucasiana e individuos com mais de 50 anos.

Existe uma forte relação entre a PM/DM e a autoimunidade. A teoria auto-imune é indirectamente apoiada pela associação a outras doenças auto-imunes  ou do tecido conjuntivo,  presença de diversos auto-anticorpos, associação a genes do complexo principal de histocompatibilidade, existência de miotoxicidade mediada pelo complemento e resposta à imunoterapia.  Admite-se um componente genético, uma vez que há casos relatados na mesma família e parece estar ligada a classes HLA (DR3, DR5, DR7). Parece haver também uma relação com infecções, nomeadamente provocadas Coxsackie, parvovirus, echovirus, HTLV-1, HIV, toxoplasma, borrelia .

Na MCI a etiologia é desconhecida.

O diagnóstico baseia-se em:

  • fraqueza muscular
    •  proximal simétrica na DM e PM
    • assimétrica na MCI
  •  elevação das enzimas musculares e alterações no estudo auto-imune
    • Enzimas musculares podem atingir valores até 50 vezes o normal na PM e DM
    • Na MCI as enzimas musculares estão apenas ligeiramente aumentadas ou mesmo dentro da normalidade
    • Anticorpos antinucleares  positivos em 80% dos casos; os anticorpos anti-Mi-2 são muito específicos para DM mas pouco sensíveis (apenas 25% dos casos de DM) e estão associados ao início clássico e a um prognóstico favorável; os anticorpos anti-Jo-1 são mais comuns na PM e estão associados ao envolvimento pulmonar, artrite, fenómeno Raynaud
  • alterações no electromiograma (EMG)
    • Unidades polifásicas de baixa amplitude e de curta duração na activação voluntária, aumento da actividade espontânea com fibrilhações, descargas repetitivas complexas e ondas agudas positivas. 11% dos doentes têm EMG normal, as alterações não são diagnósticas. É um exame útil também para decidir local de biopsia

 

  • alterações na biopsia muscular (faz o diagnóstico definitivo)
    • Na DM, existe um  infiltrado inflamatório sobretudo nas regiões perifasciculares e perivasculares  composto por células B e plasmócitos com expressão CD4+, sinais de vasculopatia com envolvimento do complemento
    •  Na  PM o infiltrado celular, linfócitos T citotóxicos CD8+, é intrafascicular. Há também um aumento da expressão dos Ags MHC classe I da superfície das fibras musculares. não existem sinais de vasculopatia ou deposição de complexos imunes.
    • Na MCI existe inflamação do endomísio com células T CD8+  invadindo as fibras musculares, de forma idêntica à PM mas menos exuberante, são encontradas também inclusões filamentosas na vizinhança dos vacúolos e mitocôndrias anormais

 

  • presença de doença cutânea na DM

 

  • Exantema  heliotrópo que acompanha ou precede a fraqueza muscular
  • Exantema de Gottron (eritema das articulações  metacarpofalângicas e interfalângicas com erupção escamosa)
  • Mãos de mecânico (eritema palmar com hiperqueratose)
  • Sinal do V, sinal do xaile
  • Eritroderma
  • Fotodistribuição das lesões
  • Telangiectasias periungueais e espessamento da cutícula
  • Calcinose

 

Outros exames auxiliares de diagnóstico que podem complementar o estudo: Rx Tórax (ao dx e início sintomatologia), Trânsito esofágico, Manometria esofágica, Ecografia tecidos moles, Tomografia axial computorizada (neoplasia), ECG, Provas ventilatórias .

O tratamento tem como objectivo melhorar a força muscular. Recorre-se numa primeira fase à corticoterapia. Caso não exista melhoria clínica ou esta seja incompleta usam-se imunossupressores como a azatioprina, micofenolato de mofetil ou metotrexato, em associação com os corticóides.  Se continuar a observar-se agravamento dos sintomas com a terapêutica atrás referida a imunoglobulina humana intravenosa é a o tratamento de eleição.  Na falência dos tratamentos anteriores faz-se prova terapêutica com rituximab, ciclosporina, ciclofosfamida ou tacrolimo.

A MCI é resistente às terapêuticas imunossupressoras, daí que os fármacos anteriores surtam pouco  efeito no curso da doença.

Outras medidas de tratamento a ter em conta são repouso no leito, evitar a luz solar, uso de protectores solares, elevação da cabeceira da cama para melhoria da disfagia,  garantir aporte proteico, podendo ser necessário suporte alimentar por SNG, as manifestações cutâneas melhoram com hidroxicloroquina.

No caso da DM e PM, a taxa de sobrevida após 5 anos para os doentes tratados é de cerca de 95% e após 10 anos de 84%. Os doentes com pior prognóstico são os que têm envolvimento pulmonar ou cardíaco ou quando existe neoplasia associada.

O prognóstico da MCI é menos favorável, dada a resistência ao tratamento. A maioria dos doentes necessita de instrumentos auxiliares  de marcha ao fim de 5 a 10 anos após o início da doença. Quanto mais avançada é a idade na altura do diagnóstico, mais rápida e progressiva é a doença.

 

Joana Pratas Correia Coelho

Dália Couvinhas Marques

Médicas Internas da especialidade de Medicina Interna dos Hospitais da Universidade de Coimbra